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2019-04-06

PGR condena actuação da PJ na detenção de dois ex-ministros

gravelO antigo ministro das Finanças de , Américo Ramos, foi detido a 3 de Abril, e o antigo ministro das Obras Públicas, Carlos Vila Nova, foi impedido de seguir viagem rumo a Portugal.

Dois dias depois, o Procurador-Geral da República, Kelve Nobre de Carvalho, condenou com veemência a actuação da polícia judiciária perante ambas as ocorrências e garantiu que vai restabelecer a legalidade. A  partilha o comunicado completo do PGR abaixo.

“Caros concidadãos:

Os acontecimentos destes últimos dias exigem que me dirija ao povo santomense.

A saúde democrática de um Estado de Direito é aferida pelo grau de independência e autonomia de que gozam os seus tribunais e o Ministério Público, corolários do princípio basilar da separação de poderes.

É por isso que a Constituição da nossa República Santomense estabelece no seu art.º 130 que O Ministério Público fiscaliza a legalidade, representa, nos tribunais, o interesse público e social e é o titular da acção penal.

Este mandato constitucional deve ser exercido sem dependência outra que não a da observância estrita do cumprimento da legalidade e da objectividade.

É sob o jugo da lei, e só da lei, que o Ministério Público exerce as suas funções.

Enquanto titular da acção penal compete-lhe dirigir a instrução preparatória e, a final, deduzir acusação pública ou arquivar.

Sempre e só em nome da Lei e do Direito, nunca das conveniências políticas ou partidárias do momento.

Um Estado que se afirma de Direito não pode, ao primeiro vislumbre de vantagem política com que se deparam os que exercem transitoriamente o poder, postergar a sua lei processual penal – a que a doutrina mais qualificada apelida de direito constitucional aplicado – para obter ganhos políticos imediatos.

O titular exclusivo da acção penal é o MP. A PJ apenas coadjuva o ministério público nessa tarefa, sempre sob a sua superintendência e supervisão, no decurso de instrução preparatória judicialmente conformada quando, e só quando, o MP lhe delegue esses poderes.

Quando, à revelia das regras processuais vigentes, sem poderes delegados, a Policia Judiciária decide deter cidadãos ou proibir, sem qualquer fundamento legal para o efeito ou despacho prévio de autoridade judiciária, cidadãos de se ausentarem do país, faz da lei suprema letra morta, olvidando os mais elementares princípios do Estado de Direito, como o da separação de poderes.

O MP condena veementemente este modo de atuar da Polícia Judiciaria e irá usar todas as suas prerrogativas para o controlo e restabelecimento da legalidade, seja em sede de acção penal ou no exercício do poder disciplinar de que dispõe enquanto órgão que superintende a PJ, a fim de garantirem efectivar a responsabilização e a reposição da legalidade.

A replicarem-se os acontecimentos vividos nos últimos dias no nosso país, caros compatriotas, substituindo-se o polícia à autoridade judiciária, caminhamos para um Estado policial.

A separação de poderes é a base da democracia e onde ela não existe ocorrerá, mais tarde ou mais cedo, a tirania, a asfixia, a ditadura. Analise-se a história, mas não com a simplicidade de uma crónica de jornal, escrita às vezes por quem não sabe história.

No que ao Ministério Público respeita é importante afirmar que a contaminação política dos processos judiciais e, em sentido mais amplo, da justiça, é tão nefasta que pode levar, como a história mostra, ao declínio da independência do poder judicial.

À política, o que é da política, à justiça o que é da justiça.

Os ataques indiscriminados às instituições, feitos de dentro e de fora das mesmas, não beneficiam a justiça e só a curtíssimo prazo servem os interesses de alguns. No fim, perde a Justiça, com alegria daqueles que atingiram os seus objetivos e surpresa de outros que tarde se aperceberam do caminho por onde seguiram.

Caros concidadãos, as palavras são duras porque a aspereza do momento assim o exige.

Estejam contudo certos disto: o MP continuará, no exercício do seu poder de acção penal, vigilante e firme na condução de todos os inquéritos crimes que tem em mãos, sem olhar a cores políticas ou filiações partidárias, mas apenas orientado pelo estrito cumprimento dos princípios da legalidade e da objetividade. Mover-se-á sempre pelas estradas amplas e iluminadas – ainda que porventura mais demoradas – da Lei e não, como alguns pretendem, pelas ruelas sombrias do oportunismo ou pelos atalhos aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Continuaremos a não aceitar quaisquer tipos de interferências nefastas, embora estejamos sempre abertos à colaboração institucional dos diversos órgãos da administração publica com vista a descoberta da verdade material.

Claus Roxin, penalista eminente, de cuja obra se recomenda a leitura, escreveu um dia que o processo penal é o sismógrafo de um Estado de Direito.

Fazemos votos para que ao terramoto desta semana não se sigam réplicas.”